FILHOS REBELDES (AUTOR FABIANO PEREIRA NUNES)
Artigo publicado na REVISTA CULTURA ESPÍRTA, do Instituto de Cultura Espírita do Brasil, junho de 2013.
O desafio da corrigenda dos filhos desajustados sempre se apresentou como preocupação para os progenitores, desde a antiguidade.
Na cultura Judaica ancestral a questão, do mesmo modo, causava notáveis apreensões. Observaremos no quinto livro do Torá, o Deuteronômio - que segundo a tradição judaico-cristã foi promulgado pelo profeta Moisés no fim da jornada Hebreia no deserto - uma prescrição legal deliberando a punição dos filhos inobedientes e corrompidos.
Assim determinava a Lei Mosaica (1):
“Se alguém tiver um filho rebelde e indócil, que não obedece ao pai e à mãe e não os ouve mesmo quando o corrigem, o pai e a mãe o pegarão e levarão aos anciãos da cidade, à porta do lugar, e dirão aos anciãos da cidade: Este nosso filho é rebelde e indócil, não nos obedece, é devasso e beberrão." E todos os homens da cidade o apedrejarão até que morra. Deste modo extirparás o mal do teu meio, e todo Israel ouvirá e ficará com medo”.
Nada obstante a inequívoca posição de Jesus como membro da Sociedade Judaica de Seu tempo, os mais notáveis pesquisadores, das modernas ciências históricas, no-Lo tem apresentado como um contestador e renovador das leis Judias. Sobre isso Allan Kardec, o Apóstolo fiel e incansável de O Espírito de Verdade, desde há largo tempo já havia, brilhantemente, aclarado a questão:
“Há duas partes distintas na lei mosaica: a lei de Deus, promulgada sobre o Monte Sinai, e a lei civil ou disciplinar estabelecida por Moisés. Uma é invariável; a outra, apropriada aos costumes e ao caráter do povo, modifica-se com o passar do tempo. A Lei de Deus está formulada nos dez mandamentos [...] [...] Essa lei é de todos os tempos e de todos os países e, por isso mesmo, tem um caráter divino. Todas as outras são leis estabelecidas por Moisés, obrigado a conter, pelo temor, um povo naturalmente turbulento e indisciplinado, no qual tinha que combater os abusos e os preconceitos enraizados, adquiridos durante a escravidão no Egito. Para dar autoridade às suas leis ele teve que lhes atribuir uma origem divina, assim como o fizeram todos os legisladores dos povos primitivos”. (2)
“A moral ensinada por Moisés era apropriada ao estado de adiantamento em que se encontravam os povos a quem ela estava destinada a regenerar. Esses povos, semi-selvagens quanto ao aperfeiçoamento da alma, não teriam compreendido que se pudesse adorar a Deus sem a realização de holocaustos, nem que fosse preciso perdoar a um inimigo”. (3)
“Quanto às leis de Moisés, propriamente ditas, Ele (Jesus), ao contrário, as modificou profundamente, quer na substancia, quer na forma. Combatendo constantemente o abuso das práticas exteriores e as falsas interpretações, por mais radical reforma não podia fazê-las passar, do que as reduzindo a esta única prescrição: ‘Amar a Deus acima de todas as coisas e o próximo como a si mesmo’, e acrescentando: aí estão a lei toda e os profetas”. (4)
Por conseguinte, face às luzes oferecidas pelas ciências e pelo Codificador do Espiritismo, torna-se melhor compreensível não apenas a prescrição mosaica que diz respeito ao corretivo dos filhos desregrados, como também os ensinos de Jesus que, audaciosamente, refutam a Torá. Revolucionando o conceito de se apedrejar até a morte os filhos ignominiosos, Jesus promoveu uma nova abordagem, combinando disciplina com compaixão, autoridade com comiseração, inconivência com piedade.
Nesse sentido, com o fito de criar imagens mentais com exemplos inconfundíveis, O Mestre contou histórias com cores muito vivas, narrando parábolas inesquecíveis, como as três “Parábolas da Misericórdia” (5), cuja culminância é a Parábola do Filho Perdido e do Filho Fiel, ou do Filho Pródigo, onde o pai de família não é conivente com o erro, no entanto, recebe o filho sinceramente arrependido com o mais comovente amor paternal.
Por essa razão urge não nos esquecermos, também, da nossa condição de filhos rebeldes do Criador, que igualmente precisam dos corretivos das provas e expiações, através das vidas sucessivas, anelando as conquistas morais que logram o encontro com as bênçãos do Doador da Vida.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. ANTIGO TESTAMENTO. Bíblia de Jerusalém. Português. Nova edição rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2002. Deuteronômio, cap. 21, ver. 18-21, p. 284.
2. KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Tradução de Albertina Escudeiro Sêco. 5. Ed., Rio de Janeiro, Leon Denis Gráfica e Editora: 2010. Cap. I, item 2. p. 51-3.
3. Idem. Ibidem. Cap. I, item 9. p. 57.
4. Idem. Ibidem. Cap. I, item 3. p. 53.
5. NOVO TESTAMENTO. Bíblia de Jerusalém. Português. Nova edição rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2002. Evangelho segundo Lucas, cap. 15, ver. 1-32, p. 1816-7.
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